sábado, setembro 18

O seu retrato mudou?

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Espelho meu... Mais cedo ou mais tarde a gente se descobre diferente .

O tempo vai introduzindo mudanças no projeto original de forma tão sutil e em doses homeopáticas que o estrago torna-se imperceptível de imediato e a olho nu. Nós nos fitamos no espelho dariamente e, com relação à pessoa que fomos ontem ou ha dois dias, não percebemos diferenças relevantes, nao é mesmo? Talvez um fio de cabelo branco a mais, ou a menos, um vinco no canto do olho, a pele um pouco ressecada, mas no todo é você mesmo que está ali.

Mas, um belo dia, alguns anos mais tarde, agora com um olhar mais crítico, mais maduro, mais detalhista e menos otimista, você se reconhece diferente, ou melhor você não se reconhece. Não é mais aquele gato ou aquela gata. É como se visse um estranho no espelho.

É o que explora com maestria e precisão cirúrgiga, no poema "Retrato", Cecília Meireles. Nesta pequena obra-prima "Retrato" a escritora carioca, uma das mais belas representantes da literatura contemporanea, faz uma leitura não apenas física mas também emocional deste momento.



Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-em que espelho ficou perdida
a minha face?

(Cecília Meireles/Flor de poemas
Ed Nova Fronteira, 1972)


Mantenham-se longe de espelhos e tenham um bom final de semana.