quarta-feira, setembro 9

Eterna poesia

Comments
 
As musas - Simon Vouet
Mais do que qualquer outro texto a poesia exige a cumplicidade e a parceria do leitor. E mesmo que a maioria das pessoas passem pela vida sem nunca ter tido uma aproximação maior com ela, a poesia está no ar, a vida está repleta de lirismos, épicos, dramas, basta despertarmos para ela.

No entanto, poesia é como o petróleo; preciosa, porém escondida. Encontra-se lá nas profundezas de cada um, exige um certo esforço para extraí-la e fazê-la fluir.

É preciso que o poeta esteja imbuído do espírito lírico e que, através de seus versos, se entregue. É necessário também que o leitor assuma a tarefa de extrair das entrelinhas a mensagem do autor, e assim, autor e leitor possam retirar de um amontoado de idéias, de um caldo de letrinhas, aparentemente sem nexo, as revelações que só a sensibilidade dos dois, em sintonia, pode revelar.

Outras musas
&&&

Desde Homero, primeiro grande poeta da cultura helênica e ocidental, um texto lê outros textos. Um poeta lê outros poetas. Na poesia, Vinícius lê Drummond, que lê Bandeira, que lê Bilac, que lê Castro Alves, que lê Gregório de Matos, que lê Quevedo, que lê Camões, que lê Petrarca, que lê Homero... Juntos lemos o mundo.

A eles seguiram-se muitos outros, inclusive anônimos, até que a poesia chegasse ao nosso alcance em suas mais diversas vertentes. Eu os tomo a todos, em gotas homeopáticas, arrastando letras, tentando expor minhas idéias. Idéias que já foram ditas, lidas, relidas, reescritas, reviradas do avesso. Pois a poesia copia, parafraseia; plagia o mundo das letras, das idéias, das emoções, buscando perpetuar a inevitável intertextualidade, porque as emoções são inerentes ao ser e guardam entre si múltiplas relações.

Mas, a seguir, estas poucas palavras, embora já tão exauridas, carregam algo inédito. De bom ou ruim, carregam algo de mim. Meus versos sou eu.

Lágrimas de saudade

Reluz pelos cantos
Teu nefasto brilho.
Corre pelo meu rosto,
Expurga a dor que coage,
Dor que não é da carne
Mas que dói de amor.

Corre pérola minha
Tece colares em minha face
Sucumbe na queda
Salga a terra.
Some com a dor
Que inquieta meu coração.

Resvala ligeira pelos vincos da carne
Precipita-te do claustro.
Inunda os vales à tua frente.
Deixa em teu rastro cristalino
A extensão de tuas mágoas.

Antes, porém,
Salga meus lábios
Amarga em minha boca.
Deixa que ela sinta
Em meu beijo insípido
O gosto de sua ausência.

Chora a falta do bálsamo que é ela,
Revela toda a dor que uma lágrima carrega
E a saudade que um sorriso esconde.


Cupido - recorte

Em todo caso, se ao final das contas seu texto parecer igual a tantos outros, não esquente. Um texto se vê em muitos outros; num único texto se digladiam muitas vozes, emprestando vida a uma nova vida ou a uma mesma emoção de cara nova, nascida de sensações universais. A dor, a alegria, a saudade, a inquietação, a insatisfação são inerentes ao ser humano e transbordam de forma diacrônica e eterna através da poesia, entre muitas outras artes.
Coragem, escreva. A gente se lê.
Boa semana a todos.
&&&