domingo, junho 14

Benedetti:

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Cala-se um poeta.

Foto: AFP

Hoje eu pediria emprestadas as palavras dos sábios, a inspiração de todas as musas e o apoio dos poetas para falar de um mestre das palavras. Acredito que poeta não morre; poeta se cala para apreciar o eco de suas próprias palavras deixadas para a eternidade. Esta semana fará um mês da morte do escritor Mario Benedetti. Não consegui comentar esse lamentável evento antes, mas não poderia deixar em branco, mas sim marcar a bico de pena o negro do luto.

Mario Benedetti, uruguaio, calou-se no último dia 17 de maio aos 88 anos.

Para a imprensa brasileira a notícia sobre a morte do escritor uruguaio Mario Benedetti passou quase despercebida. Por omissão ou ignorância as notas de pé-de-página foram medíocres e omissas. Foram tão simplórias que poucos brasileiros se deram conta da perda. Tudo bem, não é um dos nossos, mas penso que poeta devia ser patrimônio da humanidade. As palavras não reconhecem fronteiras, a literatura não pode ficar confinada a partições políticas. Um poeta é para o mundo.

Durante o golpe militar no Uruguai, Benedetti viveu exilado por 12 anos, na Argentina, Cuba e Espanha. Voltou ao Uruguai em 1985. Benedetti foi ainda um grande crítico da política externa americana.


Ficou famoso em 1956, ao publicar ‘Poemas de oficina’, uma de suas obras mais conhecidas. Benedetti, autor de dezenas de livros, foi o mais prolífico expoente da literatura uruguaia, com obras traduzidas em vários idiomas. Recebeu entre outros prêmios literários, o Prêmio Internacional Menéndez Pelayo, em 2005, o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, em 1999 e o Prêmio Iberoamericano José Martí, em 2001.

O escritor adquiriu fama internacional, principalmente na Espanha. Sua estória se entrelaça com a política, a cultura e a literatura brasileira. Foi integrante da chamada geração de 45 (uruguaia) e durante o exílio do regime militar teve amigos exilados ou presos no Brasil. Em seus romances, Benedetti explora a natureza humana retratando a classe média, em particular os burocratas, sem disfarçar seu compromisso político com os movimentos de esquerda.


Eu costumo ver a cultura latina como irmã da nossa cultura. A formação cultural dos países hispanolatinos tem muito em comum com a formação da cultura brasileira. Nossa cultura está da mesma forma impregnada de muitas influencias espanholas. Inclusive, com relação ao Uruguai, o território hoje ocupado por ele já pertenceu ao Brasil. Talvez, também por isso, as temáticas literárias são tão entrecruzadas.


Nós temos nossos grandes escritores, vivos, e calados, mas não podemos deixar de lembrar e mensurar a perda, o vazio deixado por um grande arauto do povo latino-americano. Suas palavras carregam agora seu sopro e ecoarão em seu nome.
A voz de Benedetti ecoa em seus muitos poemas:

Ayer

Mario Benedetti

Ayer pasó el pasado lentamente
con su vacilación definitivasa
biéndote infeliz y a la deriva
con tus dudas selladas en la frente

ayer pasó el pasado por el puente
y se llevó tu libertad cautiva
cambiando su silencio en carne viva
por tus leves alarmas de inocente

ayer pasó el pasado con su historia
y su deshilachada incertidumbre/
con su huella de espanto y de reproche

fue haciendo del dolor una costumbre
sembrando de fracasos tu memoria
y dejándote a solas con la noche.


Tradução livre

Ontem o passado passou lentamente
com sua vacilação definitiva
sabendo-te infeliz à deriva
com tuas dúvidas estampadas na testa.

Ontem o passado passou pela ponte
e levou tua liberdade prisioneira
trocando seu silêncio em carne viva
por teus leves alarmes de inocente.

Ontem o passado passou com sua história
e sua desfiada incerteza
com sua pegada de espanto e reprovação.
.
Foi fazendo da dor um costume
semeando de fracassos tua memória
e deixando-te a sós com a noite.

Gracias Benedetti! Gracias por el fuego de tus versos!
Tu obra no te dejas callar!